(Apólogo)
Conta-se uma história de certo
Leão que surgindo nas terras áridas da Judeia começou a arrebanhar ovelhas desgarradas.
Como fosse algo um tanto
quanto incomum, os animais daquelas terras concluíram que a ousadia do atrevido
Leão poderia desencadear uma possível rebelião entre os animais dominantes da
região – dentre os quais os temidos Lobos. Havia ainda os Porcos: gordos e
sujos, desprezíveis e nada amistosos.
Mas, o Leão, decidido que
estava, persistiu em sua empreitada, disposto inclusive – e se necessário fosse
–, defender até à morte aquelas ovelhas que a ele se achegasse.
Certo dia, um dos maiorais
entre os Burros chegou-se ao Leão indagando-o sobre a possibilidade de tomar parte
no seu curral – ainda que burros e ovelhas não se misturassem. O Leão de pronto
respondeu que sim, sendo-lhe, porém, necessário “nascer de novo”.
Ignorante como uma Mula, o Burro
retrucou sobre o significado daquelas palavras: “como seria possível a um burro
velho nascer de novo. Por ventura retornaria às entranhas de uma égua e
nasceria outra vez?”.
O Leão, que até então não
havia se declarado Rei, revelou ao amigo equino que, em seu reino, todo animal
lavado no sangue de um cordeiro imaculado perderia a velha natureza e se
tornaria uma nova criatura: um genuíno cordeiro. Se bem que para um Burro aquilo
não fosse simples de se entender.
Ainda duvidoso das palavras
do Leão, o Burro se foi, esperando o dia em que, de alguma forma, aquilo
pudesse ser concretizar, ainda que aparentemente lhe soasse impossível. Diz-se
que pastava sempre nas cercanias do Leão, seguindo-o de longe, sem dar a saber
aos demais animais que lhe fosse simpático.
Tempos depois, alguns Lobos,
chefes de grandes matilhas decidiram denunciar as obras do Leão à Dona Raposa –
que naqueles dias era quem governava. Estes, seduzidos pela velha Serpente e mancomunados
com Hienas zombeteiras, Traíras mentirosas e outras Bestas feras, deliberaram
matar o Leão, acusando-o falsamente de proferir palavras enganadoras e de sublevação
contra a Grande Loba – dominadora de todas as províncias daquela terra –, e
contra o Espírito Criador de todo o Reino Animal.
Temerosos de que pudesse fugir
ou mesmo reagir à captura, os Lobos e seus asseclas cooptaram um dos seguidores
do Grande Leão, o qual se tratava, na verdade, de lobo em pele de cordeiro, para
que este conduzisse uma matilha de cães ferozes a fim de assegurar o logro da
emboscada.
O Leão bem poderia ter
reagido e derrotado seus captores apenas com o calor do seu rugido, mas não
abriu a sua boca. Ele mesmo havia ensinado as suas ovelhas a lição acerca do
dia no qual o Leão seria entregue como um “Cordeiro mudo ao matadouro” a fim de
ser morto e com seu sangue remir e transformar todo animal – por mais imundo
que fosse – em uma alva e preciosa ovelha. Também garantiu que ao terceiro dia
ressurgiria, vivo, imbatível, para comprar e resgatar todos os seres de terra
que, lavados no seu sangue confessassem o Seu Nome.
É sabido que muitos porcos
foram transformados em ovelhas, testificando acerca do Leão e do seu poder a
todos os seres das terras circunvizinhas, sendo, por isto, torturados e
martirizados, sem, contudo, negar a Fé no Cordeiro de Deus – como ficou
conhecido o Rei Leão.
Alguns até testemunharam em
seu Nome, mas, mesmo após haver passado pelo processo de limpeza retornaram ao
espojadouro de lama; outros, que nunca foram lavados ou transformados, ainda sobrevivem
entre as ovelhas comendo aqui e ali todo tipo de sujeira que lhes são lançadas –
de alfarrobas à “lavagem”. Ainda assim, o Rei Leão mantém abertas as portas de seu
curral na esperança de que não apenas os porcos, mas, outras animálias do campo
sejam transformadas pelo Poder de Seu Sangue.
Há, também, os lobos, os
quais, disfarçados de ovelhas insistem em se infiltrar no curral. São astutos e
cruéis devoradores, andando sempre em matilhas e nunca se submetendo à
autoridade do Leão. Ao estrugir de Sua voz, porém, correm como cães medrosos
com os rabos entre as pernas, deixando para trás de si as peles de suas
vítimas.
Às suas ovelhas o Rei ordenou:
“Ide; eis que vos mando como cordeiros ao meio de lobos”; mas advertiu: “Não
deis aos cães as coisas santas, nem deiteis aos porcos as vossas pérolas, não
aconteça que as pisem com os pés e, voltando-se, vos despedacem”; “acautelai-vos
daqueles que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas, interiormente, são lobos
devoradores.”.
“Eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos
séculos. Amém.”
Prossigo para o Alvo... Fp. 3.14
PS: Nos evangelhos encontramos
várias passagens nas quais os ensinamentos de Jesus foram transmitidos aos discípulos
através de alegorias, comparações ou analogias: as chamadas Parábolas.
Uma parábola é uma “narração
alegórica que envolve algum preceito de moral, alguma verdade importante”¹ ou “narrativa
curta que, mediante o emprego de linguagem figurada, transmite um conteúdo
moral”², quase sempre protagonizada por pessoas ou seres humanos.
Já o Apólogo, diferentemente
da parábola, se perfaz da “narrativa que busca ilustrar lições de sabedoria ou
ética, através do uso de personalidades de índole diversa, imaginárias ou reais,
com personagens inanimados ou não humanos”³.
¹ Dicionário
Priberam da Língua Portuguesa;
² Wikipédia, a enciclopédia
livre;
³ idem.
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